terça-feira, 13 de setembro de 2016

O café nosso de cada dia


O CAFÉ NOSSO DE CADA DIA

Clóvis Campêlo


Uma das coisas que mais me davam satisfação na vida era passar na casa de dona Carmelita, minha avó materna, para tomar com ela o café da tarde.
A hora do moca, como ela chamava, era imperdível. Sempre tinha na mesa um cuscuz quentinho e o insuperável bolo formigueiro.
Já faz tempo que ela se foi e lembro com carinho e saudade daqueles momentos felizes de encontros familiares.
No seu CD de chorinhos nº 3, feito em homenagem a Francisco Soares, o Canhoto da Paraíba, o compositor pernambucano Inaldo Moreira conta que o conheceu em 1959, na casa de Mestre Sérgio, na Rua das Águas Verdes, no tradicional bairro de São José, no Recife.
Lá, todos os sábados, a partir das 19 horas, os chorões da cidade se reuniam, formando uma roda de choro onde o consumo de álcool era proibido. O que movia os chorões era o café, acompanhado de cuscuz e pão com manteiga. Pense numa coisa mais romântica!
Uma das maiores dificuldades que senti na minha vida, quando nos anos 70 me arrisquei pela alimentação macrobiótica, imitando Gilberto Gil e John Lennon, querendo alcançar o nirvana de qualquer jeito, foi deixar de tomar café.
De manhã cedinho, quando dona Tereza, a minha mãe, passava a água fervendo pelo coador repleto daquele pó negro e maravilhoso, incensando a casa com um cheirinho característico, todas as minhas convicções iam por água abaixo. Não resistia.
Originário da Etiópia, o café foi introduzido no Brasil em 1727. Foi plantado inicialmente na região norte do país. Mas, foi em São Paulo e Minas Gerais que o seu cultivo encontrou um solo com condições mais propícias, gerando uma nova fonte de riqueza para o país e para a região sudeste.
Satisfeito, vejo nos meus compêndios homeopáticos que o café nosso de cada dia, da maneira como é entre nós preparado, coado e sem que o pó seja fervido junto com a água, é mais salutar por diminuir o seu teor de cafeína.
Fico feliz e tranqüilo. Hoje, não saberia mais viver sem ele.

Recife, 2010


Um comentário:

  1. Parabéns, Clóvis. Bela crônica. Merece um cafezinho.

    Nela, me estimulou também o trecho:

    “No seu CD de chorinhos nº 3, feito em homenagem a Francisco Soares, o Canhoto da Paraíba, o compositor pernambucano Inaldo Moreira conta que o conheceu em 1959, na casa de Mestre Sérgio, na Rua das Águas Verdes, no tradicional bairro de São José, no Recife.”
    Clóvis, o violonista Henrique Annes me contou um encontro de músicos assim. Isso já em 1950, quando Henrique estava com 14 anos de idade. Está na entrevista http://jornalggn.com.br/noticia/henrique-annes-genio-e-memoria-do-violao-brasileiro .
    “... - E aí foi quando você conheceu Canhoto.
    - Aí eu conheci Canhoto, conheci Romualdo, Zé do Carmo tava lá também... Eu sei que entrei nesse meio, e todos os domingos eu ia pro programa. Pegava meu ônibus, ia bater na Ramiro Costa, que era atrás da Rádio Jornal ali. Aí um dia Canhoto me disse: “ô curinguinha, ô Henriquinho”. Eu disse: “diga, Chico”. E ele: “você quer ir na casa de Eduardo?”. Eduardo Martins era um violonista que tocava duro, ruim, horrível, e ele era louco por Canhoto. E ficou doido por mim depois, me viu com Canhoto tocando, né? Ele morava na Rua da Praia, era araque de polícia, e vendia contrabando na Rua do Bom Jesus. A casa dele era uma escada, um quarto lá em cima cheio de relógios, vivia disso, de vender contrabando. Era amigo do meu pai também. Aí Canhoto me levou pra casa de Eduardo. Cheguei na casa de Eduardo, na Rua da Praia, ele morava num prédio da Santa Casa, no primeiro andar. Era um salão enorme, e tinha aquela ceia, né?, ceia nordestina. E o pessoal tocando violão assim, no salão, uma escarradeira que eu nunca tinha visto na minha vida, os caras escarrando, coisa e tal (gargalha). Nelson Pinto ia também. Agora, não tinha bebida alcoólica.
    - Quem era Nelson Pinto?
    - Era o produtor do programa na Rádio Jornal. Mas não tinha bebida alcoólica. Era somente café, guaraná, tudo bem, aquela ceia, né?, nordestina, farta, não sei qantos tipos de cuscuz, então era a maior alegria, até quase meia-noite”
    Abraço

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