quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Do Be Bop à Bossa Nova


Dizzy Gillespie

DO BE BOP À BOSSA NOVA

José Ramos Tinhorão

O fim da era das grandes orquestras, após o fechamento dos cassinos no Brasil, em 1946, e a rápida decadência dos programas de música ao vivo das rádios, ante o aparecimento da televisão em 1950, repercutiu na área da música instrumental através de uma tendência elitizante que ia explicar, já em 1958, o aparecimento da chamada bossa nova. Foi a onda dos pequenos conjuntos à base de piano, baixo e bateria, especialistas em tocar música americana para o novo público das casas noturnas das áreas elegantes cariocas, denominadas boites.
Reprodução com mais de dez anos de atraso do que acontecera nos Estados Unidos, quando músicos como Dizzy Gillespie, Kenny Clark e Thelonius Monk criaram em suas jam sessions no cabaré Minton's, de Harlem, as variações complicadas chamadas be bop (para desestimular os músicos medíocres que pediam canja), a experiência brasileira repetiu também a experiência americana até nas suas consequências.
Assim como nos Estados Unidos o be bop, ao levar à formação dos combos (grupo instrumental sem formação certa, que acabaria fixando a base piano, baixo e bateria, complementada por saxofone ou piston), acabou por estimular nos músicos mais ambiciosos a pesquisa de novos timbres (no estilo Stan Kenton), no Brasil, a imitação dessa busca do som “puro” do cool jazz ia conduzir à bossa nova.
De fato, como o processo de concentração urbana contemporânea da Segunda Guerra Mundial havia provocado no Rio de Janeiro verdadeira explosão imobiliária em Copacabana, transformando aquela área da zona sul carioca no bairro das novas camadas média e alta (componentes do logo apelidado “café society”), a diversão a ser oferecida a tal tipo de gente, na falta de modelo prévio local, só podia ser a do equivalente da mesma classe nos países mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos. E o que de mais parecido se encontrou, nesse particular, foi o tipo de casas noturnas passíveis de serem montadas nos ambientes apertados dos térreos e subsolos de edifícios, e que, sob o nome parisiense de boites, ofereciam a seus clientes o romantismo do repertório internacional dos pianos e a música americana dos pequenos conjuntos para “ouvir e dançar”.
Foi para atender a essa exigência da moderna vida urbana da então capital do país, que se formou em pouco tempo uma geração de músicos jovens, a maioria moradora do próprio bairro (e eventualmente saídos alguns até das “melhores famílias”).
Ora, como por sua condição de classe ou desejo de ascensão social (no caso dos originados da classe média baixa ou vindos da zona norte para o meio da chamada “gente bem”) todos tinham em comum o ideal da modernidade e bom gosto da “melhor música americana” - que continuava a ser o jazz -, era a adesão a essa linguagem sonora que ia caracterizar a sua música.
Para não deixar dúvidas quanto a essa vinculação dos músicos jovens componentes dos pequenos conjuntos de Copacabana na década de 1950 com seu modelo norte-americano, suas exibições eram chamadas de “samba sessions”, e a parte que tocava ao jazz – e logo explicaria o surgimento de bossa nova – não seria negada mais tarde pelos próprios envolvidos nesse processo de aculturação desejada.

Fonte: TINHORÃO, José Ramos, Música Popular – Um Tema em Debate. São Paulo: Editora 34, 1997, páginas 66/67.

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