sábado, 10 de setembro de 2016

De arrepiar, os frevos feitos para o Santa Cruz


O bloco Minha Cobra nas ladeiras de Olinda, no Carnaval 2009

DE ARREPIAR, OS FREVOS FEITOS PARA O SANTA CRUZ

Lenivaldo Aragão

Das músicas feitas em louvação ao Santa Cruz ao longo dos anos, no embalo gostoso do frevo, a mais conhecida é, sem dúvida, a marcha-exaltação "O Mais Querido", do genial Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, pernambucano de Surubim. Capiba tornou-se conhecido como compositor de frevos, em sua grande maioria gravados pelo consagrado Claudionor Germano. Todavia, a exemplo de Claudionor, que no começo de sua carreira era seresteiro, nem só de frevos viveu Capiba na sua brilhante trajetória musical. Dele é a canção Maria Betânia, um verdadeiro hino da música popular brasileira, imortalizada nacionalmente na voz de Nelson Gonçalves. Há outras criações notáveis, como a Valsa Verde ou as músicas em que ele louva o Recife, Olinda e Igarassu, com que o recém-falecido Paulo Molin revelou-se quando ainda era um garoto imberbe.No ano passado foi festejado o centenário de Capiba. Num programa de televisão de que participei, comandado por Tarcísio Regueira, o irreverente Bocão, juntamente com Claudionor, jornalista Aldo Paes Barreto, e médico e teatrólogo Reinaldo Oliveira, cada um discorrendo sobre uma faceta do inesquecível artista. Coube-me enfocar seu lado de desportista. Torcedor ferrenho do Santa Cruz, desde os tempos em que adolescente ainda, vivia com a família em Campina Grande, na Paraíba, Capiba tinha uma bandeira tricolor, que era solenemente colocada à janela de sua residência, na Barão de Itamaracá, no bairro do Espinheiro, quando o Santa jogava. Sua paixão pela Cobrinha era tanta, que em 1948 ele afastou-se do Conselho Deliberativo tricolor por não concordar com a decisão de tirar o time do Campeonato Pernambucano.
Certa vez, deu-me esta declaração, justificando sua atitude naquela ocasião:"O Santa Cruz brigou com a Federação e saiu do campeonato, engolindo a corda do Sport, que havia se solidarizado com ele. Mas, foi só nós sairmos para o Sport voltar e levantar o título, de barbada, pois seu principal adversário estava fora. "A verdade é que tricolores e rubro-negros protestavam contra a então Federação Pernambucana de Desportos (FPD), que no entender de seus dirigentes, estava protegendo o Náutico. Houve um bafafá muito grande, tendo sido necessária até a intervenção do interventor do Estado, Agamenon Magalhães. No final das contas, o Santa Cruz pagou o pato, pois foi suspenso pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos) por 60 dias.

DO FUNDO DO BAÚ

O colossal Capiba esperava naquele ano que o então bicampeão pernambucano emplacasse o segundo tricampeonato de sua história, tendo composto sua célebre música, cujo destino terminou sendo o fundo do baú, pelos motivos já explicados. Como se fosse um castigo, o Santa experimentou um jejum de dez anos, só tendo voltado a ser campeão em março de 1958 - o título correspondia ao campeonato de 1957, e o tricolor foi supercampeão, pois cada um dos três grandes ganhou um dos três turnos em que o certame foi dividido, tornando-se necessária uma disputa extra.
A marcha-exaltação de Capiba, pôde, enfim, sair do limbo, tendo bastado para isso trocar o tri do último verso pelo super, o que seria feito posteriormente em outras conquistas notáveis do tricolor, como o bissuper e o trissuper. A letra, que todos apontam como o hino tricolor, o que na realidade não é, foi assim elaborada: "Santa Cruz/Santa Cruz/ Junta mais essa vitória/ Santa Cruz/ Santa Cruz/ Ao teu passado de glória – És o querido do povo/ O terror do Nordeste/ No gramado/ Tuas vitórias de hoje/ Nos lembram vitórias/ Do passado/ Clube querido da multidão/ Tu és o supercampeão".
Em 1990, quando as emissoras de rádio pernambucanas já não davam espaço para o frevo, Capiba dedicou outra música ao seu Santa Cruz, que não teve a mínima repercussão: "Se tu és tricolor/ Que Deus te abençoe/ Se não és tricolor/ Que Deus te perdoe - O Santa tem a fibra/ Dos Guararapes/ Por tradição/ É o mais querido/ E sempre será/ O clube da multidão".
Marambá, um irmão de Capiba, também compositor foi outro a homenagear o Santa, em 1959, com "Cobra Coral", frevo-canção feito em parceria com Geraldo Costa e gravado por Rubens Cristino, no selo Mocambo, da extinta fábrica de discos Rozenblit, em 78 rpm (rotações por minuto), com acompanhamento da Orquestra de Frevo de Nelson Ferreira. Vamos à composição: "Quando aparece num gramado/ O Santa Cruz dando xaxado/ O adversário vai cair/ Disso não pode fugir -Deixa a fumaça subir/ Deixa queimar não faz mal/ Podem mexer com toda cobra/ Menos com a cobra coral".

NELSON NO SUPER

Outro monstro sagrado da música pernambucana a festejar o Santa Cruz, clube do seu coração, embora ele não fosse apaixonado como Capiba, foi Nelson Ferreira, que também fez música para Sport e Náutico. O super campeonato tricolor de 1957 não poderia passar em branco no repertório frevo-futebolístico do consagrado maestro. A inesquecível conquista, coincidindo com a obtenção dos títulos no juvenil e no aspirante, foi festejada por Nelson com um frevo canção interpretado pelo alvirrubro Claudionor Germano, contando com a participação dos locutores Cesar Brasil e Rosa Maria, ambos tricolores. Antes da música propriamente dita, os dois revezam-se, declinando os nomes dos supercampeões – Anibal, Diogo, Sidney, Zequinha, Aldemar, Edinho, Lanzoninho, Faustino, Rudimar, Mituca, Jorginho – e fazem uma conclamação à torcida, na época comandada por Anísio Campelo, uma figura popularíssima: "Em saudação a estes supercampeões de 1957, o comandante Anísio Campelo, desfraldando a bandeira gloriosa das Repúblicas Independentes do Arruda, dá o seu grito de guerra – um, dois, três, quatro, cinco, seis, torcemos com prazer, nosso lema é vencer. Uah,uah, uah, Santa Cruz". Em seguida entra Claudionor: "Vamos cantar com toda emoção/Um, dois, três, quatro, cinco, seis/Saudando a faixa de supercampeão/A que fez jus/O mais querido Santa Cruz – Foram três as vitórias colossais/Juvenis, aspirantes, profissionais/Repúblicas Independentes do Arruda/Pernambuco vos saúda/Anísio, chama a torcida/Tudo pelo Santa, nosso sangue e nossa vida/Um, dois, três, quatro, cinco, seis/Torcemos com prazer, nosso lema é vencer".

LIMPANDO A ÁREA

Em 1942, atendendo a um pedido de Aristófanes de Andrade, um velho baluarte tricolor, um dos responsáveis pela existência, hoje, do grande patrimônio do chamado "clube das multidões", Sebastião Rosendo compôs "Cobrinha no Gramado", que se tornou um segundo hino coral, pelo menos para a torcida e cujo principal intérprete foi Expedito Baracho. A letra é uma verdadeira provocação aos adversários do Santa, que procura afastar todos os inimigos do seu caminho, como os tradicionais e o já extinto Auto Esporte, na letra de Rosendo representado pela lotação: "Eu sou Santa Cruz de corpo e alma/ E serei sempre de coração/ Pois a cobrinha quando entra no gramado/ Eu fico todo arrepiado/ E torço com satisfação - Sai, sai,timbu/ Deixa de prosa, oh seu leão/ Periquito, cuidado com lotação/Que matou pássaro preto/ Santa Cruz é campeão".
Quando o Santa Cruz sagrou-se pentacampeão em 1973, Rosendo reapareceu com o frevo canção "Pentacampeão", tendo como parceiro Gildo Branco, autor de muitas outras composições carnavalescas. Eis a música: "Somos pentacampeões/ Com raça, orgulho e amor/ Santa Cruz é tradição/ É um prazer dizer sou tricolor – Seu pavilhão tremula sempre/Num eterno pedestal/ O seu passado de glórias/ Tornou-se tradicional/ O mais querido Santa Cruz/ Presente às multidões/Vamos cantar e sorrir, família tricolor/ Somos pentacampeões".

PAPANDO TAÇAS

A célebre dupla Irmãos Valença (João e Raul), autora de "O teu cabelo não nega", motivo de uma longa batalha judicial com o compositor Lamartine Babo, acusado de ter se apossado indevidamente da letra - os Valença ganharam a questão - também faz parte da lista dos que, através do quentíssimo ritmo pernambucano, procuraram enaltecer o Santa Cruz. Tricolores, como toda a família, eles aproveitaram uma cançoneta feita por Lacraia - Teófilo Batista de Carvalho - funcionário do Banco do Brasil e primeiro preto a defender o Santa, no nascedouro do time, e criaram o Papa-Taças. A música faz uma menção especial à "poeira", como era conhecida a torcida coral, na época em que o clube, paupérrimo, andava de um lado para outro, sem paradeiro fixo: "Quem é que quando joga/ A poeira se levanta/ É o Santa/ É o Santa/ Escreve pelo chão/ Faz miséria e não se dobra/ É a cobra, é a cobra - É sem favor o maioral/ O tricolor, a cobrinha coral/ O mais querido timão das massas/ Por apelido o papa-taças".

DESABAFO CORAL

Em 1969, quando o Santa Cruz, que tinha sido campeão estadual pela última vez em 1959, quebrou a hegemonia do Náutico, conquistando o primeiro título do pentacampeonato, a dupla Delange Dolores e Fernando Leite Cavalcanti compôs "Arrancou pra valer", enaltecendo o clube e seu mecenas James Thorp: "Falavam que no Santa Cruz/ Tinha uma cabeça de burro enterrada/ Mas James Thorp chegou/ E arrancou a danada - Agora tudo mudou/ Vocês viram que a torcida mudou/ E a alegria reinou/ No coração tricolor".
Em 1972, ano da primeira inauguração do Estádio José do Rego Maciel, a mesma dupla soltou "Três listrinhas": "Eu este ano vou brincar/Com meu amor/ No Carnaval tricolor - Minha camisa vai ser/ De três listrinhas/ Vermelha, preta e branca/ Em homenagem à cobrinha - Perto da sede/ Seu estádio é um cenário/ Palco da Minicopa/ No Sesquicentenário".
Em 1979, o elepê Ecos do Carnaval, de Arlindo Melo, trouxe "Euforia de Tricolor", de Osvaldo C. de Araújo: "Eu salto, pulo e grito/ É claro que estou certo/ Não adianta esta retranca/ O meu time joga aberto – Meu time é arrojado/ Já me disse um torcedor/ Que anda até cansado/ De tanto gritar gol/ Quá, quá, quá – Ora povo, meu time é forte/ Temos craques pra seleção/ Caramba, agüenta as pontas/ Vou pular, vou gritar/ Não leve a mal/ Jogar com o Santa Cruz/ O trunfo é pau".

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 04/02/2005

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