domingo, 11 de setembro de 2016

A fortaleza-labirinto


A FORTALEZA-LABIRINTO

Nicola S. Costa


À medida que mais gente chegava e era autorizada a ficar em Canudos, Conselheiro ia orientando a construção de casas de pau-a-pique revestidas de barro vermelho. Aparentemente, o amontoado de casas em completo desalinho podia sugerir descuido e desorganização, mas na realidade Conselheiro agia assim por instinto de defesa e resistência contra possíveis ataques. Sabia que, se alguém tentasse atacar Canudos, encontraria um atrincheira natural na região e uma cidade em forma de labirinto.
Canudos chegou a ter uma população entre 25 e 30 mil habitantes e 5.400 casas. Só existia uma rua, a Campo Alegre, que dividia Canudos em duas partes e terminava na praça das igrejas Velha e Nova, esta construída porque a primeira se tornara pequena. Estradas de terra ligavam Canudos aos principais povoados da região, como Massacará e Jeremoabo.
A repórter Lélis Piedade, do Jornal de Notícias da Bahia, teve a seguinte impressão ao ver Canudos: "Era uma verdadeira cidade, em que presidiu relativo bom gosto no estabelecimento. A Igreja Nova era de fato um verdadeiro monumento, talvez maior que a Igreja de São Francisco, de uma construção solidíssima (...) A sua colocação era de verdadeiro efeito: a sua pedra de cantaria artisticamente trabalhada".
Antônio Conselheiro estimulava as festas, os casamentos religiosos, os batizados e as missas, permitindo a presença de padres para realizar esses sacramentos, quando apareciam por lá, o que era raro.
Não existia prostituição nem tavernas em Canudos. A cadeia era conhecida pelo apelido de "poeira", por estar sempre vazia, mas quando alguém cometia um crime Conselheiro expulsava-o ou mandava entregá-lo às autoridades da comarca de Monte Santo.
Canudos tornou-se um oásis no sertão do norte da Bahia e rapidamente cresceu em importância econômica e social. Seguiam para lá e reuniam-se a Conselheiro os sertanejos pobres sem trabalho, os perseguidos pelos poderosos, os criminosos arrependidos, os descontentes com as violências e injustiças, antigos escravos que abandonaram seus senhores após a abolição, artesãos, vaqueiros, pedreiros, ferreiros, pintores, marceneiros, lavradores, etc.
Após o trabalho diário, todos os que quisessem se reuniam diante das igrejas para ouvir as preces de Conselheiro.
À medida que Canudos crescia, foram definidas algumas funções especiais que Conselheiro atribuiu a elementos de sua confiança: João Abade recebia os recém-chegados e era uma espécie de "prefeito"; Antônio Beato era o "repórter" de Canudos; Timóteo era o sineiro; Manuel Quadrado era o curandeiro; Pajeú era o comandante militar encarregado de defender a cidade; Antônio Vila Nova guardava as armas e munições.
Assim, Antônio Conselheiro e os canudenses conseguiram edificar em pleno sertão, em apenas 4 anos, uma comunidade auto-suficiente, produtiva, igualitária, pacífica, organizada e diferente das outras povoações e cidades sertanejas.
Exatamente por sua originalidade é que Canudos atraiu poderosos inimigos, que viam naquela comunidade uma ameaça à ordem estabelecida.

Fonte: CANUDOS - ORDEM E PROGRESSO NO SERTÃO. Nicola S. Costa. São Paulo: Editora Moderna, 1990.


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